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segunda-feira, janeiro 02, 2012

Acordar




Pois bem ele chegou: 2012!
E como sempre hora de parar, pensar, refletir, planejar, sonhar...

Recebi um texto de uma grande amiga em 2002... e quero compartilhar, porque acredito que tem tudo a ver com este momento "ano novo, vida nova".


ACORDAR

E se de repente tudo cessasse? Não pela morte, mas em vida. Você parasse de pensar sem para. Parasse de falar e falar. Parasse de reclamar e apenas sentisse. O que seria?

Se de repente tudo se aquietasse e você pudesse ouvir o que nunca ouve, o que ouviria?
A gente se esquece de ouvir. Fala tanto. Reclama e reclama. Da vida, dos santos, da televisão, da mídia, dos políticos, da Justiça, dos filhos, dos pais, dos maridos, das esposas, dos amigos, dos chefes, dos empregados... 
Sempre falando, sempre pensando, sempre reclamando.
E se de repente tudo cessasse? Não pela morte, mas em vida. Você parasse de pensar sem parar. Parasse de falar e falar. Parasse de reclamar e apenas sentisse. O que seria?
Talvez sorrisse de tanta burrice e soltasse um ai!
Talvez chorasse de tanta tristeza e soluçasse um ai!
Quem sabe? Vamos tentar? Por um só momento ficarmos atentos ao que é neste instante e que não se repetirá jamais?
Abrir bem os olhos não é arregalar. É olhar bem profundo, lá mesmo no fundo, aonde ninguém quer chegar. É ver o escondido segredo mantido que a gente pretende não ter em nenhum lugar. De olhos abertos. Ouvidos despertos. Sentidos alertas. Pode-se até sonhar.
Sonhar o sonho de dentro de um sonho. E pode ser um sonho de acordar.
A gente sonha cada bobabem. ondas enormes, perigos, enchentes. A gente sonha que há guerras e mortes e foge, foge, foge. Quer gritar e não pode. Ou sonha com flores e gramados brilhantes de orvalho ao nascente. Sonha com paz e com gente contente. Sonha tanta coisa. Sonha acordado. Sonha dormindo. Sonha no sábado e também no domingo. Às vezes, até se esquece de sonhar e acorda pensando o que foi que esqueceu... O sonho talvez de acordar.
Mas, antes de tudo, antes de se levantar, percebe o ar, os sons ao redor, a textura da fibra de que é feito o lençol. Percebe o dedão lá do pé querendo furar a meia que você teve ontem preguiça de tirar. Espreguiça comprido cuidando para a câimbra não despertar. Levanta-se de esguelha, sem nó lá no peito, sem lembranças de nada. Levanta-se e respira bem fundo e suspira que hoje é o dia de você acordar.

Monja Coen é monja budista da tradição Soto Zen; Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, seção Outras Idéias, de 03 de janeiro de 2002.